Nesta newsletter, resgatamos textos publicados no Jornal RelevO e já devidamente esquecidos. Dessa vez, trazemos algo mais recente: as centrais da edição de dezembro de 2023.
Contexto
A inteligência artificial ajuda em muitos aspectos, vários deles questionáveis. Inquestionável, por sua vez, é seu auxílio na visualização de palermices. Em dezembro do ano passado, esticamos uma dessas baboseiras em formato de catálogo de moda, apresentando a cZara – porque o que separa o trocadilho ébrio de um contrato milionário é a desfaçatez (tá aí o MorumBis para comprovar). Ganamos, perdimos, igual nos divertimos: segue abaixo o manifesto dessa rede [vírgula] camarada.
cZara: um manifesto
fast Russia, slow fashion
A cZara [Цáра] chegou mais rápido que Lênin em 1917. A cZara acredita na Guerra Fria e mais ainda na Guerra Quente. Aqui, de fato, a gente revoluciona a moda sustentável — mas revoluciona mesmo, literalmente, não do tipo “fio egípcio e frete rápido”. F***-se o frete, camarada; você sabe o que é andar de cabriolet na neve? Pois a gente sabe e trouxe um pouco dessa experiência para vocês, consumidores ocidentais mimados e ingratos que só querem vantagens.
Conheça nosso manifesto:
Operários de verdade: aqui não tem essa de fábrica de suor, briga no tapete da fábrica ou atelier de miséria. Na cZara, cada trabalhador é um imperador, um McQueen, se você preferir comparações com eles. Todas as decisões de produção são coletivas, o que tende a gerar alguns quebra-paus — adoramos essa intensidade, que se reflete na marca cZara (inclusive teve uma peça com o que “parecia sangue” e, bom, …). Também costuma acarretar uma ou outra estampa indesejada (e não licenciada) do Corinthians. Alguns produtos se resolvem em grandes discursos; outros, queimando carros. Entendemos que é na contradição e no confronto físico que surgem as melhores ideias. Atrasamos na confecção, na modelagem e na entrega, mas compensamos no preço. Não quer pagar? Tá tudo bem, o mercado é livre. Ha-ha-ha-ha [laughs in Russian], é sim, é sim. Eu vou te pegar, Nicolauzinho, seu lixo.
Sustentabilidade: tudo que a gente produz vai pra algum lugar, e depois de ir pra esse lugar, volta pra outro lugar e vira roupa (alguma coisa assim). Não desperdiçamos nada. NADA! O valor está no suor, e o suor está embutido no valor. Não venha reclamar que suamos muito, pequeno ditador que prefere a Shopee.
Fetichismo de mercadoria: condenamos. Odiamos. Executamos. Se a gente perceber patricinha da Zona Zul divulgando a cZara em vídeos de look “aiiii descobri essa brusinha no brechó da Babi” e nossos preços subindo, agimos. A única influência que aceitamos é a dos belos flocos de gelo do inverno siberiano (vide item IV). Não tememos inflação ou infração alguma.
siber.IA: nosso app não dá desconto, não acumula pontos, não tem cashback (bозвра́т) e não oferece frete grátis. Mas te mantém na linha — quando funciona. A experiência pode ser ruim, seu verminho do capital, mas o Ocidente inteiro também é. Achou ruim? Fecha o celular e vai tocar na neve. Ah, não tem neve? PASPALHO!!! Velhaco insolente. Como ousa?
Inclusividade: menchevique? Nada disso; nossa gestão é womenchevique! Aqui na cZara, quem pisa de coturno sujo no seu vestido floral Feodorovna são nossas guerreiras, que blá blá blá etc. Menchevique, pô? Achou que a gente ia dar um mole desses por uma piadinha? Aqui é bolshevik do dedo congelado ao último fio de cabelo, seu kulebyaka azedo. Tá acordado, Nicolau? Eu vou te moer e te entregar pro Dmitriy, nosso husky.
Seu corpo, minhas regras: vestir cZara é um compromisso — ou estilo de vida, se você, cérebro ocidental atrofiado por Black Fridays, Saldão de Estoque e McDonald’s, assim preferir. Existe um código de conduta (moral, ideológico, comportamental) envolvido nessa experiência, que, por sinal, nos recusamos a chamar de experiência, outro termo já commoditizado. Regulamos nossos clientes. Não aprova? Atrapalha seus direitos? Chama o Procon; nossa sede é nas Ilhas Cayman — quem disse que o capital não serve pra nada? Nossos advogados são os melhores contra playboy fã de subir em montanha, até porque eles têm os mesmos sobrenomes — o que atesta a qualidade do Direito praticado em nossas vestes e peles (e na de nossos animais. Vide item abaixo).
Animais do mundo, uni-vos!: a cZara não é favorável à exploração de animais para o uso indiscriminado de humanos. Animais são família, e você iria gostar da pele da sua avó no corpo esguio e sedutor da nossa modelo Yelizaveta Sokolova? Aqui, esperamos os animais morrerem naturalmente em nossas confortáveis fazendas metropolitanas confiscadas e coletivizadas pela Revolução de Outubro, respeitando o ciclo da natureza e da moda verão-inverno. É importante ressaltar que os animais que se suicidam passam por um processo de luto por parte de nossos estilistas, que realizam a tradicional solenidade intitulada “Troca de Chapéus de Pele”. Infelizmente, se você deparar com um chapéu que pareça ainda estar vivo, a culpa é do tio Sergei, que mexe com umas coisas de paranormalidade. Daremos um jeito nas crenças dele – e nas suas, se você quiser.
Aguardamos ansiosamente sua compra impulsiva e seu dinheiro desprezível.
До скорого,
Time da cZara.
Catálogo
Abaixo, as imagens criadas via Stable Diffusion.