Como identificar pintores
Enclave #32, edição especial: guia para reconhecer de pintores e suas obras (por Lucas Leite).
EDITORIAL
BOM DIA, leitor da Enclave — a newsletter que dá dois passos para trás e três para frente. Depois um para a esquerda e três para a direita, e então pisa uma vez em frente, duas na esquerda, outras duas na direita, duas na esquerda de novo, quatro para trás, oito para frente, sete para a esquerda só com a perna direita e três para a direita com a perna esquerda. Por fim, dois pulos para trás de pernas juntas, caindo em demi-plié, e um à frente, finalizando em base paralela e guarda de combate.
O mais que recente Jornal RelevO de abril está disponível aqui.
Na especialíssima edição da Enclave de hoje, com tiragem de apenas 6 milhões de bits, mudamos o formato para valorizar a lista mais interessante já feita por este grupo de inúteis que vos dirige a palavra. Trata-se de um guia para reconhecer de pintores e suas obras. A ideia surgiu deste belo link e foi desenvolvida por Lucas Leite. Voltaremos ao normal na próxima edição. No momento, é hora de reformular. É hora de mudar ou mudar de vez – vamos colocar o castelo de areia abaixo. Abaixo. E iniciar uma construção sólida para 2010. África do Sul não é assim tão longe, é logo ali. Caso contrário seremos comida de leões. A África do Sul é logo ali. Cannavaro. Totti. Zambrotta.
Faça bom uso, raro leitor!
COMO IDENTIFICAR PINTORES E SUAS OBRAS
Se for um retrato cuja única iluminação parece vir de uma lâmpada fraca, é Rembrandt:
Se tiver um monte de anjos, nuvens e pássaros que se parecem, é Boucher:
Mulheres idealizadas e cuidadosamente desenhadas, com os pés assim...
...é Botticelli:
Se todo mundo for bundudo, é Rubens:
Personagens mitológicos vestidos em cores vibrantes, dançando e parecendo estátuas ao mesmo tempo: Poussin.
Cores foscas e contrastantes, corpos alongados, com um céu turbulento atrás, é El Greco (não confundir com Lagreca):
Cores foscas, atmosfera sombria e perspectiva "torta": Tintoretto:
Vista de Veneza com pessoinhas que, olhando de perto, não têm rosto, é Canaletto:
Se homens e mulheres forem igualmente bombados: Michelangelo:
Imagem de história em quadrinhos ampliada até mostrar os pontinhos da impressão das cores, é Roy Lichtenstein:
Se for uma cena cotidiana, no canto de um quarto, com a luz entrando pela esquerda, é Vermeer:
Se for uma cena moderna noturna com personagens solitários que não se comunicam, é Edward Hopper:
Se tiver bailarinas, é Degas:
Se for uma cena altamente dramática, teatral, com fundo escuro e personagens em primeiro plano bem iluminados, é, claro, Caravaggio:
Se for uma cena mitológica, realismo quase fotográfico, mulheres nuas e alvas, (quanto mais, mais provável de ser) Bouguereau:
Quadrados coloridos, é Rothko:
Se for uma versão melhorada das pinturas de sua tia, é Renoir:
Se personagens bíblicos tiverem estes olhos puxados, é Giotto:
Se forem cenas bíblicas com personagens rígidos, austeros, quase cinza de tão pálidos, é Piero Della Francesca:
Se as pessoas na cena parecerem emitir luz própria, é Manet:
Se corpos nus flutuarem em fundo bege, Egon Schiele:
Se abusar de retângulos, é Malevich:
Se o cenário for bucólico e indígena, com cores vibrantes, é Gauguin:
Se acabou de explodir, é Pollock:
Se houver pessoas atormentadas com rostos severamente desfigurados, em grupos de três, é Francis Bacon:
Se a pintura for claramente bidimensional, com figuras em traços finos sobre um fundo sólido: Paul Klee.
Se forem retratos cujos rostos parecem máscaras africanas, geralmente sem pupilas nos olhos, é Modigliani:
Se você estiver invadindo a privacidade, é Lucien Freud:
Por fim, se as pessoas estiverem achatadas ao longo de uma igreja enorme, é Saenredam.
BAÚ
"Por motivos espirituais (os imperativos da evangelização), linguísticos (os obstáculos multiplicados das línguas indígenas), técnicos (a difusão da imprensa e a expansão da gravura), a imagem exerceu no século XVI um papel notável na descoberta, na conquista e na colonização do Novo Mundo. Por ser a imagem, junto com o texto, um dos instrumentos maiores da cultura europeia, a gigantesca empreitada da ocidentalização que se abateu sobre o continente americano assumiu – ao menos em parte – a forma de uma guerra de imagens que se perpetuou séculos a fio e que nada indica que já esteja encerrada.
(...) Se a América colonial tornou-se um cadinho da modernidade, foi por ter sido também um fabuloso laboratório de imagens. Aí se descobre como as "Índias ocidentais" entraram na mira do Ocidente antes de enfrentar, por levas sucessivas e ininterruptas, as imagens, os sistemas de imagens e os imaginários dos conquistadores: da imagem medieval à imagem renascente, do maneirismo ao barroco, da imagem didática à imagem milagrosa, do classicismo ao muralismo e até às imagens eletrônicas de hoje, que garantem ao México, numa espantosa reviravolta, uma posição excepcional entre os impérios televisivos planetários."
Serge Gruzinski, A Guerra das Imagens: de Cristóvão Colombo a Blade Runner (1492-2019), 1990 (Companhia das Letras, 2006).