Caminhante sobre o mar de telas
Enclave #64: walking tours; John Updike sobre Dostoiévski.
EDITORIAL
Bom dia,
Seja bem-vindo(a) à Enclave!
Semana passada, nossa edição #63 acompanhou o chef Marco Pierre White: leia aqui.
A edição de agosto do Jornal RelevO já foi enviada pelos Correios! A de julho está disponível no nosso site.
HIPERTEXTO
Caminhante sobre o mar de telas
Viajar (do Brasil) ao Japão é caro, muito caro. Passagem, hospedagem, câmbio, escalas, comida: há diversos estímulos ao desestímulo. Àqueles que não dispõem do orçamento necessário para essa locomoção resta o YouTube, onde é possível vivenciar as ruas de alhures com imagem, som e movimento em alta definição.
Refiro-me à quantidade crescente de walking tours disponível no YouTube. Neles, alguém caminha pela cidade portando uma câmera e captura o som ambiente do trajeto. Ao longo do caminho, não há qualquer intervenção, interação ou interatividade em geral: o transeunte anda; nós assistimos.
Deixar esse tipo de vídeo na televisão se tornou um hábito pessoal há tempos. Descobri a prática com o canal hongkongmap, em que um sujeito munido de boa vontade trafega por Hong Kong. Não há imersão maior para um vídeo, e os walking tours – espalhados pelo mundo inteiro – permitem sentir uma cidade distante com o encanto de seu movimento orgânico.
Rambalac talvez seja o mais conhecido em relação ao Japão, onde também vale acompanhar o Nippon Wandering TV (por exemplo, no popular Kabukicho). São diversos os contextos, mas me apetecem particularmente as caminhadas noturnas. A imagem de abertura foi retirada deste vídeo aqui, em Shibuya (Tóquio).
Em Singapura, há o Discovery Walking Tours TV. Por sua vez, o POPtravel surge em diversos países europeus, bem como o LivingWalks. De Nova York, conheço o IURETA e. O Nomadic Ambience acumula material (muito bem gravado) do mundo inteiro.
Como um irmão do ASMR, esse gênero de vídeo oferece uma contemplação relaxante; a passividade agradável de acompanhar com os olhos, converter a falta de letramento (de ideogramas, por exemplo) em recepção estética e escutar aquilo que a distância – com ou sem quarentena – não deixa alcançar.
BAÚ
John Updike sobre Dostoiévski
Ele estava sempre escrevendo por dinheiro, não apenas pelo dinheiro, mas porque estava desesperado para pagar dívidas. E ele escrevia rápido. E colocava sua dor nas páginas, sua necessidade de respostas, a busca por esperança e a tentativa de obter sentido nas coisas. Sua raiva, sua amargura, suas recriminações. Você não saberia dizer se ele lutava com suas forças ou fraquezas. Ele não escrevia como alguém que tenta criar um grande romance. Ele escrevia como alguém que tenta sobreviver.
John Updike sobre Dostoiévski. Extraído do perfil do escritor André Balaio, que traduziu o trecho do podcast The History of Literature. Obrigado, André!