No apogeu da música mundial
Enclave #70: Brasil (1970-75), um guia musical. Stanley Kubrick. Cegueira facial.
EDITORIAL
Bom dia,
Chegamos à edição #70! Quando cê tent---ok, não.
Finalmente, ajeitamos a casa. A Enclave se ausentou por uma semana porque concluímos a transferência de hospedagem do site do Jornal RelevO, que agora só pode ser travado pelo próprio diabo.
E pelos Correios, aparentemente. Em razão da – agora finalizada – greve de 35 dias dos funcionários, a maioria dos nossos assinantes não recebeu as últimas duas edições do jornal, entre elas a especial de 10 anos de existência. Haja chope pra tanta água.
Torcemos para que os assinantes ao menos as recebam – principalmente os novos, que até o momento devem achar que caíram em um esquema de pirâmide. Estamos um pouco abatidos, mas vamos lá; o obstáculo é o caminho.
Semana retrasada, a edição #69 da Enclave acompanhou o climão entre Alfred Hitchcock e Raymond Chandler: leia aqui.
A edição de setembro do Jornal RelevO está disponível no site.
A edição de outubro já foi impressa e terá seus malotes enviados ao longo dos próximos dias, incluindo hoje.
HIPERTEXTO
Brasil 1970-75: um guia musical
Que a música brasileira é mundialmente reconhecida, qualquer um sabe. Mas nós nunca tínhamos nos dado conta da proporção de qualidade concentrada na década de 1970, especialmente até 1975.
Havia uma mistura bastante talentosa de talentos e contextos: veteranos da bossa nova; herdeiros da bossa nova; gente de saco cheio da bossa nova; tropicalistas; clássicos do samba; samba rock; geração dos festivais televisivos de música; guitarra elétrica; passeata contra a guitarra elétrica; eruditos; empíricos; gente que viajou pelo mundo; gente que nunca saiu do Brasil; repressão e tensão política; cultura hippie; o Hermeto Pascoal.
Os frutos são incríveis. A partir deles, concluímos que, àquela época, o Brasil dispunha do apogeu da música mundial. Sem nenhum traço de saudosismo – porque não vivemos essa época –, tampouco de ufanismo – porque é brega. Trata-se de uma afirmação bastante razoável de defender.
Pensando nisso, listamos todos os álbuns de que gostamos após ouvir, pesquisar e reescutar. Não são todos extraordinários, o que seria impossível, mas há discos soberbos entre eles. Todos têm pontos altos; nenhum é fraco. Ficam as nossas sugestões para que esta lista seja lida e relida (como uma porta de entrada ou fonte de discórdia).
Todos os álbuns mencionados estão disponíveis no Spotify, exceto quatro, que sinalizamos e apontamos para o YouTube. No Spotify, você também pode acompanhar nossa playlist querida, melhor degustada na ordem aleatória – exatamente como o Brasil.
Playlist: Brasil 1970-1975 era o apogeu da música mundial [Spotify]
1970
Elis Regina - ...Em Pleno Verão
Gal Costa - Legal
Jorge Ben Jor - Força Bruta
Milton Nascimento - Milton
Os Mutantes - A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado
Paulo Sérgio - Paulo Sérgio vol. IV
Roberto Carlos - Roberto Carlos (1970)
Tom Jobim - Stone Flower (1970)
1971
Chico Buarque - Construção
Jorge Ben Jor - Negro é Lindo
Maria Bethânia - A Tua Presença
Roberto Carlos - Roberto Carlos (1971)
Wilson Simonal - Jóia, Jóia
1972
Caetano Veloso - Transa
Elis Regina - Elis
Gilberto Gil - Expresso 2222
Hermeto Pascoal - Hermeto [YouTube]
Jards Macalé - Jards Macalé
Maria Bethânia - Drama
Milton Nascimento & Lô Borges - Clube da Esquina
Novos Baianos - Acabou Chorare
Paulinho da Viola - Dança da Solidão
Roberto Carlos - Roberto Carlos (1972)
Tom Jobim - Matita Perê
1973
Hermeto Pascoal - A Música Livre de Hermeto Pascoal [YouTube]
Eumir Deodato - Prelude
Eumir Deodato - Deodato 2
Eumir Deodato - Os Catedráticos 73
Ivan Lins - Modo Livre
João Donato - Quem é Quem
João Gilberto - João Gilberto [YouTube]
Luiz Melodia - Pérola Negra
Milton Nascimento - Milagre dos Peixes
Novos Baianos - Novos Baianos F. C.
Raul Seixas - Krig-Ha, Bandolo
Secos e Molhados - A Volta de Secos & Molhados
Sérgio Sampaio - Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua
Tim Maia - Tim Maia (1973)
Tom Zé - Todos os Olhos
Trio Mocotó - Trio Mocotó
1974
Adoniran Barbosa - Adoniran Barbosa
Airto Moreira & Eumir Deodato - Deodato/Airto in Concert [YouTube]
Benito Di Paula - Um Novo Samba
Cartola - Cartola
Jorge Ben Jor - A Tábua de Esmeralda
Martinho da Vila - Martinho da Vila
Nelson Gonçalves - Passado e Presente
Raul Seixas - Gita
Roberto Carlos - Roberto Carlos (1974)
1975
Airto Moreira - Identity
Alcione - A Voz do Samba
Clara Nunes - Claridade
Lula Côrtes & Zé Ramalho - Paêbirú
Nelson Gonçalves - Nelson de Todos os Tempos
Tim Maia - Racional (vol. 1)
Vamos lá. Listas, assim como goleiros e revisores de texto (e os Correios), são avaliadas a partir de suas falhas: o que esquecemos?
Ademais, quais são os melhores, mais influentes, mais marcantes, crème de la crème, apogeu do apogeu? Quais são seus favoritos? Se o editor tivesse de morrer abraçado com um, seria o Clube da Esquina.
Em 1976, já temos África Brasil (Jorge Ben Jor), Cartola (1976), Estudando o Samba (Tom Zé) e Alucinação (Belchior), entre outros. Mas quem sabe uma segunda lista...
Já a década de 1980...
BAÚ
Stanley Kubrick
O que há de melhor em um filme é quando o efeito é criado pelas imagens e pela música. A linguagem, quando a utilizamos, deve ser, claro, a mais inteligente e imaginativa possível, mas eu ficaria bem interessado em fazer um filme sem nenhuma palavra, se pudesse achar um meio de fazê-lo. Poderíamos imaginar um filme no qual as imagens e a música seriam utilizadas de maneira poética ou musical, no qual se faria uma espécie de enunciados visuais implícitos em vez de declarações verbais explícitas: digo que poderíamos imaginar, pois não posso imaginá-lo a ponto de escrever realmente uma história assim, mas acho que, se isso fosse feito, o cinema seria utilizado ao máximo. Ele seria então totalmente diferente de qualquer outra forma de arte, do teatro, do romance ou até mesmo da poesia.
Stanley Kubrick (Michael Ciment, Conversas com Kubrick, Cosac Naify, 2010, p. 123).
AMARCORD
Prosopagnosia: cegueira facial
Publicado originalmente na edição #29, em fevereiro de 2016
Algumas pessoas têm dificuldade em reconhecer rostos. Confundem pessoas; não lembram de traços; descrevem características faciais sem qualquer precisão. Outras não reconhecem rostos de maneira alguma, isto é, nem de familiares, nem de grandes amigos, e, em alguns casos, nem delas mesmas. À cegueira facial – um problema cognitivo sério – dá-se o nome de prosopagnosia.
Quem sofre de prosopagnosia pode não apresentar nenhum outro problema de visão, muito menos intelectual. É possível até que algumas delas vejam partes específicas, como nariz, boca e olhos. Entretanto, rostos como um todo não são reconhecidos – e você imagina as complicações sociais que isso pode causar, ainda mais em uma criança.
O problema pode ser causado por meio de uma lesão na área fuseforme de faces do cérebro, ou FFA (termo que não significa nada para nós, mas vai que te liga a outras informações). Também pode ser simplesmente congênito, fazendo com que alguém passe a vida inteira sem entender como é reconhecer um rosto. Não há tratamento efetivo ou cura: para lidar com a prosopagnosia, a escapatória é se atentar aos cabelos, vozes, roupas e linguagem corporal
E, reza a lenda, Brad Pitt apresenta sintomas.