O destino do impresso de literatura é ser guache na vida ou acende o farol
Ciclos que, pra variar, envolvem finanças.
Olá, assinante e colaborador(a) do RelevO. No Informe Mensal de hoje, trazemos somente um (caprichado) recado.
1.
No editorial da edição de setembro, enviada no dia 3 e na mão de 95% dos assinantes e em mais de 400 pontos culturais do Brasil, mencionamos a revolução silenciosa do impresso em tempos digitais:
“Há uma sutil e silenciosa revolução acontecendo no interior dos negócios de comunicação, mais especificamente no que tange aos periódicos de nicho: ‘— podemos chamar isso de ascensão vitoriosa dos leitores relaxados que estão cansados de ler nas pequenas telas de seus celulares — e essa revolução tem a mídia impressa como protagonista’, na definição do professor em cibercultura Mario A. García (não confundir com Márcio Garcia).”
Pois ora. Tal qual o time pequeno que perde inúmeros gols fora de casa e sai derrotado por 1x0 no final, fomos punidos pelos deuses do papel-jornal por arriscar tamanho otimismo: setembro tá osso. Vamos ilustrar a situação calamitosa dos últimos 25 dias. Desde a edição de julho, Bolívar Escobar, nosso designer, escritor e entusiasta da ergonomia do supino, desenvolve um charge (não uma charge) da relação entre a arrecadação e os gastos do Jornal. É mais ou menos assim:
Nas edições de julho e agosto, atingimos aproximadamente 95% da meta de arrecadação. Um prejuízo aceitável, do jogo e das oscilações da vida financeira de um negócio de pequeno porte. Então, veio setembro… Faltando apenas cinco dias para o fim do mês, estamos com apenas 57% da meta. De longe, é o pior mês de 2024 (pior até agora!), em patamar similar aos esquecíveis dias da pandemia.
E quanto custa, afinal e mensalmente, a operação RelevO? Em torno de R$ 10 mil, puxados, sobretudo, pelo custo de gráfica e de distribuição. O custo de pagamento de autores, além da equipe editorial, não pesa tanto porque, enfim, não remuneramos bem, embora não exista ninguém que não seja remunerado nos processos internos do periódico, dos autores aos empacotadores.
Por coisas que poderiam ser explicadas, quem sabe, pela projeção de signo, por eu ser canhoto ou torcedor do São Paulo Futebol Clube, mesmo nascido em Curitiba, acumulo as funções de editor e pagador de boleto — em inglês soa mais imponente: publisher. Ou seja, seleciono textos, com o auxílio do editor e criador-culpado pelos textos da Enclave, Mateus Ribeirete; encaminho dúvidas ao Conselho Editorial; converso com possíveis ilustradores; questiono a resolução das imagens com a gráfica, o corte das páginas, “segue foto em anexo”. Essa é a parte realmente divertida.
Também me causa felicidade acompanhar diariamente o mercado livreiro, bem como conferir o surgimento das novas livrarias, a recuperação do cenário literário gaúcho e a movimentação de feiras e festivais do segmento. Isso tudo é bem legal. Outro fator cativante é receber cartas como esta do assinante Edgar Gabriel, que entrará na edição de outubro, ainda sem prazo de impressão:
“Sexta-feira, o interfone toca. Encomenda. Vou até o portão saber o que é. Era um pacote oriundo do Paraná. Já sei. Volto para dentro. Olho ao redor, um monte de folhas avulsas, ideias-bosta, trabalho atrasado, e-mails sem resposta... Putz. Quer saber? Vou dar um rolê. Apanho o pacote. Calço meus chinelos cópia do 51º estado norte-americano. Me dirijo ao bar mais podre e mal falado da região. É um bar frequentado por taxistas, por isso sou veementemente reprendido por bater cartão nesse espaço tóxico. Nem ligo. Lá consigo beber dentro do meu orçamento limitado. Para não ser incomodado, visto minha camisa branca de taxista, pastor falido ou cobrador de ônibus. É preciso ter classe, mas o motivo principal é que o bolso carrega o cigarro falsificado e uma tabela do Jogo do Bicho. Escolho uma mesa quase de esquina, puxo a cadeira de plástico e ergo a mão: Oh, chefia, desce a braba aí! Abro o jornal e leio boa parte antes de perder a noção de onde estou. É emocionante se sentir e expressar que se sente um tremendo vagabundo num bar, num bairro e numa cidade onde só se fala em fazer grana, tudo caro, absurdo! Phodda-C! só por hoje sou herói, herói da vadiagem. Sou um lascado, mas tenho meus caprichos...”
Por outro lado — “O silêncio é teu gêmeo no Infinito”, como escreve Fernando Pessoa —, temos nosso dark side, que consiste em gerenciar a parte do dinheiro. Sou o fantasma do financeiro, que insiste em relembrar o término do vínculo dos assinantes e negociar as datas de renovação; prospecta novos assinantes; realiza os contratos com os anunciantes. Todo mês, desde setembro de 2010, me pergunto se realmente sei fazer isso.
E por que não contratar alguém para ser O Financeiro, Sr. Editor? Pois ora, aqui está um forte calcanhar de Aquiles — o direito do editor já rompeu em fins de 2022 em um futebol sintético: não acredito em senso de comunidade literária sem acompanhar de perto os desdobramentos da nossa comunidade, tanto no aspecto do consumo do produto como da grana em si.
Pode parecer conversa de coach, e espero que você não ache que eu mereça uma cadeirada, mas o senso de comunidade do RelevO é a principal razão para eu não abrir mão de tudo e fazer, quem sabe, uma pós em TI ou tentar financiar um terreno em 30 anos a 100 km de Curitiba, onde seja possível ver o céu — além da obviedade não mencionada de não ter crédito para um financiamento.
Em agosto, por exemplo, publicamos esta carta na seção dos leitores:
“Oi, Jornal! Eu achei vocês quando procurava publicações que aceitavam materiais independentes. Gostei muito do formato e editorial. Logo quando comecei a ler, considerei realmente assinar a versão impressa, porém, infelizmente, não disponho de condições financeiras no momento. Mas, melhorando minha situação econômica (no momento trabalho coletando e reciclando latinhas), terei o maior prazer em colaborar com vocês. Grande abraço e parabéns pelo trabalho!”
Entre o recebimento da edição de agosto e o fechamento da edição de outubro (a atual), recebemos, inbox, sete mensagens de assinantes dispostos a presentear a mensageira – chamada Andreia – com uma assinatura. A primeira, Leda Lopes, efetuou o patrocínio. Em breve, aliás, a Andreia nos prometeu um review caprichado da primeira edição recebida.
Enfim, somos isso: a soma de dificuldades em um meio notoriamente vulnerável do ponto de vista estrutural. Dependemos de quem nos assina, nos presenteia, nos indica, renova o vínculo conosco. Sofremos pela ausência de um bom sobrenome de herdeiro e pela vontade de manifestação via impresso de literatura — com algum humor, se possível.