Brasil aprova Lei da União Instável
Cartórios (e clubes noturnos) celebram, mas entram em colapso.
Nesta newsletter, resgatamos textos publicados no Jornal RelevO e já devidamente esquecidos. Dessa vez, trazemos as centrais da edição de agosto de 2023.
Brasil aprova Lei da União Instável; cartórios (e clubes noturnos) celebram, mas entram em colapso
Em vigor desde o início de agosto, nova lei tem gerado busca e apreensão no plano jurídico, mas principalmente no emocional. Conversamos com… algumas pessoas para entender melhor o novo cenário.
Todos sabemos que o Brasil já importou várias tendências certas, como praticar futebol para que menos ingleses o fizessem. Também trouxe algumas tendências duvidosas, como programas de talentos infantis e sushi humano, ou apenas se aventurou em empreendimentos completamente equivocados, como museus de cera e parques de dinossauros. Supostamente, tudo isso foi considerado por Carlos “Maracujá” Soares (sem partido), deputado estadual pelo Espírito Santo e mentor intelectual da nova lei que vem chacoalhando os bastidores políticos e conjugais do Brasil: a Lei da União Instável. “O Brasil precisava de algo que fosse bom e ruim e mais ou menos ao mesmo tempo. Ninguém vê mais a seleção brasileira”, define o político, com o pé na mesa de seu gabinete, enquanto acaricia um quati (animal de pequeno porte) e bebe água morna num copo Stanley.
“Na real, cansei de ouvir que, quando uma ideologia fica bem velhinha, ela vem morar no Brasil”, dispara o deputado, antes mesmo de a equipe de reportagem do RelevO começar a gravar a entrevista. “Agora o que vai vir morar no Brasil é uma suruba de ideologias, o caos que entretém e alimenta almoços familiares”, define, piscando para a nossa estagiária. “Quer água? É água água”.
A Lei da União Instável, basicamente, permite que qualquer brasileiro ficante, enrolado, em condição emocional turva dentro de um relacionamento com troca de fluidos ou silenciado no WhatsApp nas datas festivas possa considerar sua relação perante o Estado, assegurando importantes direitos. No escopo da nova lei, estão garantias como acesso ilimitado à internet, senhas compartilhadas de streamings e usucapião de terrenos de herança. “Essa última parte realmente ainda estamos revendo porque temos muitos grileiros solteiros no Congresso”, alega em tom de candura – “e pra não estragar a vida dos colegas, né”. Antes de dar mais detalhes, o deputado já reforça que a lei não é retroativa: “não, antes que vocês perguntem, a Márcia não vai ficar com um centavo meu; eu é que devia processar essa sevandija”, defende-se, engolindo o choro. Não sabemos quem é Márcia.
Para além das discussões que têm mastigado corações e revirado cuecas, entrevistamos três pessoas diretamente afetadas pela nova lei. Uma delas – a única que gerou alguma coisa, porque as outras duas consistiram na absoluta perda de tempo – é Silmara Bottini, a Sil-Sil. Conhecida no mundo do futebol e também dos e-sports, “pensa numa galera trouxa”, ela se ressente pelo comportamento de um atacante da Série A do futebol brasileiro. “Veja, minha jovem, foram três anos de ligações às 3 da manhã, eu saindo da minha boate ou da minha casa, pra simplesmente ele me trocar pela MC Kiropinha”, relata. “O vagabundo trocou de relacionamento instável e de número”, completa, comovendo também o nosso outro repórter, que sabe bem o que é ser abandonado por uma profissional do ramo do entretenimento. “Pior: contou pra esposa antes de me falar, você acredita? Fiquei sabendo pelo Instagram, esse vagabundo”.
Maracujá Soares, que diz não conhecer Sil-Sil (sequer havíamos perguntado), alega ter importado a lei do Turcomenistão, onde seu filho, Julinho Soares, 19, faz intercâmbio há dois anos “pra salvar o mundo ou alguma porra assim”. “Olha, a sociedade lá é muito diferente. Em alguns aspectos é bem atrasada em relação à nossa. Em outros, é bem avançada. Meu filho costuma me contar, e eu costumo prestar atenção moderada”, Soares complementa. “Mas quando ele falou sobre a união instável reconhecida, fiquei abismado. A gente reconhece um hit na hora, parceiro”, justifica Maracujá, que começou como sambista, mas fez sucesso mesmo com o single de funk gospel ‘Nem santo nem senta’ – de onde emergiu seu capital político. “A lei também vai ser boa para o Julinho resolver umas questões com a Márcia por aqui. Outra Márcia, outra”, assevera, desprovido de confiança e emanando o olhar de quem falou demais.
Consequências, ramificações, diversões
A nova lei também impactou um setor muito interessado nas crises conjugais: o mercado de casamentos. “Estamos observando atentamente”, sintetiza o casal Kamila & Kléber, abraçado. “Sim, fazemos tudo em casal”, impõe-se o par, que lidera a AbraCeF (Associação Brasileira de Casamentos e Festas, porque, acreditem, já existe uma Abrafesta na vida real). “O nome do Kléber era com C, mas prefiro não falar sobre esse período”, alerta Kamila.
“Enfim, de início tememos a nova lei, afinal pode haver uma tendência de as cerimônias de casamento diminuírem, mas…” [a partir daqui, quem fala é Kléber, numa alternância doentia que se repetiu ao longo de toda a interação] “...ao mesmo tempo, existe a oportunidade de criar todo um novo segmento de festas. Se o chá de revelação pegou, você acha que não vão querer postar videozinho de união instável?”, ele encerra, não sem antes fitar os olhos de Kamila, que assente levemente com a cabeça.
Também conversamos com os advogados da Vaurer & Pertolin, que, celebrando toda uma nova galáxia de processos a serem criados com a nova lei, estavam bêbados demais para articular qualquer argumento. “Anota aí: hahahahaahahahh [arroto]”.
A partir de agora, a Lei da União Instável segue seus trâmites ordinários: o redator contratado pelo RelevO para escrever esta matéria não sabe quais são, nem como um Congresso funciona, nem no que consistem Três Poderes (“não dava pra ter vários poderes?”). Jovem, ele se mostra distraído com mensagens de voz de um elemento feminino, que, aos berros, o acusa de “olhar diferente pra garçonete do RU”. O redator – cujo serviço foi extremamente barato, e, ainda assim, caríssimo –, sorri e reflete em voz alta, ao menos para seu padrão geracional: “A gente vai no cartório amanhã”.
CONFIRA ALGUNS ARTIGOS DA LEI DA UNIÃO INSTÁVEL:
Artigo 3º: “Qualquer pessoa maior de idade, disposta a viver sob um vínculo instável, poderá se unir com outra mediante livre manifestação de vontade (ou insistência alheia), dispensando formalidades e papéis burocráticos.”
Artigo 4º: “Caso apenas uma das partes decida assistir a um reality show de confinamento por mais de 30 dias, a união instável será automaticamente dissolvida, sem a necessidade de qualquer comunicação formal.”
Artigo 6º: “A Lei de União Instável não se aplicará em caso de conflito com a Lei da Gravidade, uma vez que o amor pode fazer as pessoas flutuarem, mas não é o suficiente para desafiar as leis da física.” [Nota: essa curiosa ressalva, que deve ser vetada, gerou inúmeros debates sobre o que exatamente o deputado quis dizer.]
Artigo 8º: “Será permitido ao casal realizar um ritual de união à sua escolha, contanto que um dos envolvidos seja um mestre cerimonial de alguma ordem secreta internacionalmente reconhecida.”
Artigo 12º: “Os casais em união instável poderão requerer um Certificado Oficial de Relacionamento emitido pelo Governo, atestando a autenticidade da relação e o nível de ausência no relacionamento.”
Artigo 18º: “Em caso de término da união instável, ambos os cônjuges deverão se submeter a uma sessão obrigatória de stand-up comedy, durante a qual terão de fazer piadas sobre o ex-parceiro, como forma de encerrar a relação de forma pública e bem-humorada.” [Nota: o deputado ainda acrescentou que pretende mover esforços para que os casais em união instável tenham direito a descontos especiais em apresentações de comediantes “para que todos possam aprimorar seu senso de humor”. Ninguém sabe quem está bancando Maracujá, mas é quase certo que este Artigo será vetado.]
Artigo 29º: “As partes em união instável poderão optar por celebrar o aniversário da relação de forma irônica, trocando presentes estranhos ou fazendo declarações cômicas em redes sociais. A adesão de nomes para o casal instável (como “BruMar”) é permitida, mas não aconselhada.”
Artigo 31º: “A União Instável não interfere em outras relações consumadas perante o Estado, podendo ser acumulada com as demais, sem hierarquia definida”.
simplesmente amei